Vontade e instinto
Não sei como o minúsculo pássaro entrou ali. Talvez tenha perdido o rumo e passou pelo primeiro espaço aberto diante de seus olhos. O fato é que o encontrei perdido. Ele, que parece conhecer e dominar todo o espaço aéreo, agora batia as asinhas mais aceleradas. Quando meus olhos deram conta de sua presença, ele repousava sobre o fio da luminária que pendia do teto e sustentava a lâmpada, a luz derramada sobre pequena e redonda mesa de madeira. Parecia o trapezista de O circo dos horrores, que Burt Lancaster tão bem representou. (Ou terá sido Trapézio, Carol Reed, 1956?). Compreendi que o beija-flor nem sabia do ator, muito menos de que Gina Lollobrogida era sua companheira na aventura circense. Intuí: o pequenino animal pousava por segundos, no único apoio encontrado para compensar o esforço por encontrar uma porta de saída. Pensei em orientar sua fuga, ele feito refém de pessoa alguma. Fora ali não por sua própria vontade – se o leitor me entende. Suponho que ele, o leitor, não o animalzinho alado, também não crê na possibilidade que um outro animal que não o homem, tenha também vontade. Nem isso vem muito ao caso ou à história que sobre ele se pode escrever. Fosse outro o observador, é quase certo que encontraria jeito melhor de ajudar o beija-flor. Não ocorreria ao humano condoído de apanhar uma vassoura, na ingênua hipótese de com ela ajudar o refém com asas cansadas. E o espaço era tão pequeno. Felizmente, valeu desistir de dar ajuda ao que dela não precisava. Ao voltar à sala, recolocada a vassoura em seu lugar de repouso, o instinto do beija-flor já o livrara da situação constrangedora. Convenci-me, então, de que nem sempre a vontade é mais eficaz que o instinto.
Autor Professor Seráfico
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