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Uma lição de compaixão.4

Eu não saberia dizer se era uma criança, uma adolescente ou, mesmo, uma jovem adulta do sexo feminino, aparência difícil de definir a idade. O mal de que é portadora fazia-a ora correr pelos espaços entre as araras que sustentavam as peças de roupa. Com movimentos ligeiros, as mãos trêmulas apanhavam alguma dessas peças e levavam à mulher de meia idade atendida por uma das vendedoras. O som que saía da boca daquela pessoa jovem atestava existir nela enfermidade capaz de inclui-la no rol dos portadores de algum tipo de deficiência. Via-se logo, pois a aparência o dizia, não se tratar de uma portadora de doença de Dawn. Não tem os olhos rasgados, nem na face se destacam outros sinais dessa doença. Os corredores do estabelecimento eram percorridos por ela, repetidamente, com passos largos ou às carreiras, em velocidade diferente, a cada vez. Os braços, como apêndices soltos, sacudiam em movimentos aparentemente descontrolados.  Nem os gritos dela chamavam a atenção dos poucos clientes atendidos pelos vendedores. Estes não pareciam incomodados com a perambulação da moça(?), nem se percebia em qualquer dos presentes, fosse uma vendedora, fosse um outro funcionário da loja ou se tratasse de um dos clientes, qualquer sinal de aborrecimento ou desagrado. Não era isso, porém, o que mais chamava a atenção de quem dirigisse seu olhar para outro ponto que não fossem as vitrines, as araras ou as mesas em que as mercadorias estavam dispostas. Eram poucos os consumidores, já foi dito. Também eram poucos, pelos menos os vendedores dispensando a atenção e a gentileza postiças com que tratam a clientela. Dos outros funcionários, a presença perceptível era apenas a do segurança, postado à porta do prédio. Uma só pessoa atraia a atenção do observador. Dele não se poderia dizer ser o marido, o pai ou o irmão da moça que corria, apanhava alguma peça e a entregava à outra mulher. Alto, porte atlético, trajado com elegância extremamente simples, o homem acompanhava a corrida da moça(?). Ela corria; ele parecia contar os próprios passos – vagarosos, firmes, elegantes também. Furtivamente, os cantos de seus olhos percorriam o amplo salão dividido pelas araras e mesas onde repousavam as mercadorias. Uma vez que outra, dirigia a palavra (à moça?). Essa você já levou. Quem sabe ela gostaria de experimentar esta outra? Foi uma das frases com que o homem se dirigiu a ela. Outras ele terá dito, com iguais serenidade e delicadeza, mas não foi possível registrá-las. A compreensão do problema de saúde da acompanhante saltava aos olhos do observador ou de quem se dispusesse a apreciar as pequenas tanto quanto as grandes coisas da vida. Filha, irmã ou qual seja o grau de parentesco com o homem, valeu aprender uma das maiores lições de compaixão até aqui assistidas. Não havia um só indício de que o homem se perturbava com o mal que faz da outra uma pessoa diferente. Ele apenas revelava quanto pode a sociedade humana ser melhor do que se mostra. E quanto somos negligentes e impacientes, diante de males às vezes muito menos graves. No mundo e nas ruas está a melhor escola que se possa frequentar. Dá quase alegria invejar uma pessoa como aquele – pai? Irmão? O que importa, mais que o sentimento transparente de um homem, no salão de vendas? Creio que é a isso que se chama compaixão.

Autor Professor Seráfico

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