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A CRISE DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Poderia ser risível se não fosse um escárnio a câmara federal aumentar o número de deputados federais e, por conseguinte, as assembleias estaduais aumentarem suas bancadas. Justamente num momento de crise acentuada da democracia liberal no mundo.

​Sim, a crise da democracia representativa liberal está posta há mais de um século. O modelo iniciou em meados do século XVII na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa e a imposição de limites ao absolutismo, criando uma monarquia parlamentarista, e se espalhou pelo século XVIII, através do pensamento iluminista e a Revolução Francesa.

​Chegou ao século XX com a força de uma formiga, carregando um peso maior do que supunha aguentar. Não demorou para fazer eclodir governos autoritários na Europa. No final da segunda década desse século, seu parceiro, o liberalismo econômico, pariu a Grande Depressão nos Estados Unidos, país conhecido como referência da democracia liberal.

​A democracia representativa tem se mostrado frágil para garantir direitos coletivos. Foi importante para substituir as autocracias monárquicas, mas vem se apresentando como o problema causal da exclusão social e limitação dos direitos individuais e coletivos, imposto por instituições colapsadas na sua capacidade de representação.

​O sociólogo espanhol Manuel Castells, no livro Ruptura: a crise da democracia liberal, resume com clareza essa crise, ao revelar que a democracia liberal criou um distanciamento entre governos e cidadãos.  As eleições não têm sido suficientes para aprofundar a representação, pois os representantes terminam por constituir um grupo de interesses divorciado dos interesses dos seus representados:

“A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representarem”.

​Isso ficou claro nos últimos anos no parlamento brasileiro. Deputados criaram instrumentos de ocultação do uso do recurso público, através do “orçamento secreto” e “emendas pix”, agravando o sistema representativo na proporção que votavam contra zerar impostos da cesta básica e pela retirada de direitos sociais conquistados nas últimas décadas.

​A população tem se mostrado alheia ao processo eleitoral, como se o voto popular não fosse o responsável pela escolha dos seus representantes. Não existe um sentimento de pertencimento com a coisa pública. Essa descrença tem proporcionado a ascensão de governos autoritários no mundo, sob a bandeira da não-política.

​Somam-se a isso, partidos políticos frágeis e um judiciário classista, composto por castas e enclausurado na vaidade dos seus agentes públicos.

Aqui no Brasil, a democracia liberal está levando o país a uma grave crise política, com dois lados opostos se engalfinhando como numa disputa entre o bem e o mal. De um lado, o liberalismo econômico e seu anseio de ter o Estado transformado em empresa, e de outro, segmentos políticos e sociais lutando para garantir direitos democráticos de um sistema em crise.

O mundo só vai sair do século XVIII quando começar a usar os novos recursos tecnológicos para construir uma democracia de participação direta do cidadão.  A democracia participativa é uma exigência política e civilizatória dos nossos tempos. O poder à sociedade civil é o único caminho capaz de consolidar a democracia, impedir governos autoritários e garantir direitos políticos e sociais que assegurem participação do cidadão e da cidadã e bem-estar social.

​Temos todos os instrumentos que possibilitam a democracia direta e no caso do Brasil, a Constituição de 1988 garantiu a participação popular nos destinos da nação. Infelizmente, até hoje apenas um plebiscito foi feito para ouvir o povo brasileiro sobre o sistema político. Temos as bases legais para avançar na consolidação de um regime político que ouça o povo, fortaleça as instituições e diminua a representação.

​​​Lúcio Carril 
Sociólogo

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