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Duas frases, duas lições

Uma não tinha mais que quatro palavras; a outra continha cinco. Um dos garotos não teria mais que nove anos. Sete era quanto o outro contava. Os locais não poderiam ter sido mais díspares – à entrada de uma livraria estava o segundo dos meninos. O outro esperava com sua mãe o atendimento da neuropediatra. O menor, sentado em pequena cadeira das quatro arrumadas em torno de mesinha quadrada, aguardava o pai. Este visitava com calma todas as fileiras de estantes. Um leitor que faz a alegria dos que escrevem. O maior estava no consultório, pelas dificuldades que vinha encontrando, no processo de aprendizagem. Com essas palavras a mãe justificou a presença dela ali. De comum às duas cenas, portanto, apenas o observador. Que se tornou aluno e teve como professores duas crianças. Talvez se possa dizer comum uma outra circunstância. Cada um deles fazia-se acompanhar de um dos pais. O garoto de sete anos presumíveis saíra na manhã daquele sábado com o pai-leitor. A mãe, em uma tarde qualquer, levava o filho em busca de melhorar-lhe o desempenho escolar. O adulto observador chegado, mal entrara na livraria, avistou a criança. O enfado transparecia no rosto infantil. Seu desagrado não correspondia ao sorriso silencioso com que o pai pagava aos olhos a felicidade de topar com alguma obra logo após retida em suas mãos. É certo que sairia dali com alguns exemplares. Uma das vantagens oferecidas pelo estabelecimento era o pagamento parcelado. A mãe mal escondia seu desconforto. Não lhe parecia agradável recorrer à neuropediatra, mas não encontrara outra maneira de resolver o que lhe parecia grave problema. O filho era lento no aprender. Números não eram objeto de sua admiração, se não lhe causavam certa ojeriza. À pergunta recorrente (qual o melhor amigo do homem?), ambos os meninos responderam de forma tão diferente – e tão igual. Isso mesmo: diferentes na aparência, a reação das crianças tinha algo que nem todos os professores (o interrogador inclusive) apreendem quando e quanto necessário. Nos dois casos, o interrogatório começou com a pergunta, a que logo se seguiram outras. A resposta a todas elas, de um e do outro, não foi mais que o silêncio. E certo olhar de desdém dos interrogados. Na inocência própria da infância. O pai pegou o filho pela mão e o levou à porta da livraria. Antes que pai e filho transpusessem a soleira da entrada, a resposta que parecia pronta e guardada como a arma que se esconde até a hora do disparo, saiu firme: mas ele não é vivo! À mãe do outro menino ocorreu de ficar um pouco perplexa com a reação do filho. Mas o gato interage comigo. Foi tudo o quanto ele disse ao interrogador. O fato de cão e gato fazerem ruídos desagradáveis; exigirem trato especial em consultórios veterinários; ameaçarem sujar limpas roupas com suas patas nem sempre bem-educadas – nada disso pesou na consciência dos dois pirralhos. Com simples e profundas frases, eles falaram da Vida. E abriram para o interlocutor as luzes que iluminaram a partir daí sua percepção do Mundo.

Autor Professor Seráfico

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