Empáfia
A mulher nem se deu o trabalho de desatar o cinto de segurança. O condutor do carro à frente, abalroado, dispôs-se a ir até ela. Com flagrante má vontade, a condutora do outro veículo baixou o vidro. Seu olhar desdenhoso mostrou em que altura econômica e social ela está pousada. Ou pensa que. De qualquer forma, gerou surpresa no interlocutor. À pergunta – e agora, minha senhora, como é que fica? – nada menos que uma tentativa de resolver o problema em comum acordo, a resposta levou a vítima do choque à perplexidade. Puta que pariu foi o que disse a mulher, do alto de sua empáfia. Não entendo sua linguagem, senhora. Aí, começava a escassear calma ao condutor do carro que ia à frente, naquela manhã ensolarada, o trânsito fluindo sem atropelo. Daí o prolongamento da interpelação. Que ambientes anda a senhora frequentando, cuja linguagem é tão pouco educada? Não foi outra a reação da infratora: Pegue meu cartão de visita. Em seguida, entregou, com o ar desdenhoso antes assumido, o papelucho com o registro do nome e função pública da identificada. Membro do Poder Judiciário, com aquela providência pensou dar por finda sua conduta deseducada, grosseira, ilícita. O interlocutor – pensou lá a mulher com seus botões, se havia algum deles em seu traje caro e de elegância duvidosa – logo desistirá de postular a indenização do dano causado pelo abalroamento. Dele ela ouviu: chamo-me fulano de tal, trabalho em tal lugar. Mal sua interlocutora escondeu a surpresa. Passava ela de caçadora à caça. Fosse qual fosse a razão, o que deve ser dito é que seus modos passaram a ser menos agressivos. Estou me comunicando com meu filho, por telefone. O senhor espere, por favor. (O celular à mão comprovava a mudança de comportamento). Ele o procurará, se o senhor fizer o favor de informar o número do seu telefone. E tudo será resolvido. Foi o que bastou para provocar as despedidas. Aguardarei a chamada de seu filho. Também penso que isso facilitará uma solução justa para a questão em que, involuntariamente, fui envolvido. Passar bem… Chegado ao local de trabalho, o condutor do carro que trafegava na frente providenciou resposta ao telefonema recebido em sua ausência. E o filho da magistrada revelou discernimento e maturidade de que sua mãe fora incapaz. Não demorou mais que uma semana, até que o veículo danificado voltasse às condições anteriores ao incidente (porque a ocorrência não passou disso, além do palavreado chulo). Com a penosa circunstância do uso de veículo alugado, usado no seu dia-a-dia, até que a concessionária entregasse o carro, totalmente recuperado. Tudo, às expensas da pretensa dona do Mundo.
Autor Professor Seráfico
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