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Um pelo outro.5

O incômodo não vinha da confusão entre ele e outro dos seus contemporâneos. Afinal, o homem sabia das semelhanças que induziam ao equívoco de terceiros. Refiro-me à fisionomia, à aparência, aquilo que assalta os olhos do mais distraído observador. Havia outras convergências a alimentar e revigorar a confusão. Um e outro eram autores de livros. Ambos exercitavam o magistério. Não era a mesma a frequência com que os dois apareciam no noticiário ou percorriam o País, para serem ouvidos por plateias ainda interessadas nas coisas do espírito. Livros, valores éticos, interpretações da Vida, do Mundo e de suas gentes. Um, autor consagrado, habitava a metrópole; o outro não passava de um autor provinciano, de quando em quando chamado – não a ensinar – a dar palpite por dá cá aquela palha. A frequência com que este era tomado por aquele já sugeria não ser o segundo mais que mero plágio do primeiro. Um plágio produzido a distância. De qualquer maneira, não lhe restara outro ou qualquer traço de originalidade. Onde quer que o segundo homem fosse, lá ele sempre encontraria alguém ansioso por tocar-lhe as mãos; cumprimentá-lo. Dizer-lhe da admiração pelo que escrevia. Louvar suas últimas obras. Houve oportunidade em que, caída a ficha, ele desfez o pequeno grupo familiar (o casal e duas filhas adolescentes) que se preparava para documentar com imagem o inesperado, e tão ansiado encontro. Não, não sou eu a pessoa com quem vocês gostariam de ser fotografados. Mais não disse, interessado em que estava o homem-plágio de ver-se livre mais uma vez de constrangimento que se ia tornando corriqueiro. Incômodo, algumas vezes. Como aquela, em que os olhares de um casal estranho se estenderam do salão de embarque do aeroporto de origem até uma cidade distante milhares de quilômetros dali. Parecia uma perseguição, como a temos visto em tantos filmes de ação e violência. Frustrada a abordagem no ponto inicial da viagem, o casal cuidou para não perder de vista o objeto de sua curiosidade. Se não era mais que isso. Quando anunciado o transbordo para outro avião em ponto intermediário do voo, os cuidados dos observadores foram redobrados. Conseguiram parar em lugar de passagem obrigatória do plagiador involuntário. Só lá, um sorriso que quase não cabia no rosto da mulher e do seu acompanhante, lograram indagar: o senhor não é o professor Fulano de Tal? A resposta não poderia ter sido mais rápida – e frustrante: não! Há um engano. O quanto bastou para o resto da viagem eventualmente colocar dois olhares furiosos dos confusos passageiros sobre a causa de sua frustração. Não terá sido a primeira, sequer a última, oportunidade em que fato semelhante aconteceu. Houve momento em que a abordagem foi mais fácil, direta e inevitável. E o homem-plágio ouviu: O senhor não é o escritor? Mentir talvez dissipasse logo a dúvida dos interessados. Por que mentir? Sim, também escrevo. Imediatamente a mão do interlocutor estendeu-se em direção à mão do perplexo escritor de província. Acompanhava o gesto de cordialidade a frase constrangedora: Muito prazer, professor Içami Tiba. O prazer de conhecer a admiradora e os familiares que se preparavam para também saudar o objeto da admiração não autorizava mais uma vez a mentira. Não sou o professor Içami Tiba, mas não se preocupem, estou acostumado a esse equívoco. Começo até a perder a noção de quem eu de fato sou.

Autor Professor Seráfico

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